Dona Maria José vai completar 88 anos em um feriado
prolongado e convoca filhos, netos e bisnetos para a fazenda. Dias de união em
frete a farta mesa, tudo feito no fogão à lenha. São 4 filhos: Hélio, militar
aposentado. Sônia, a dona da fazenda, economista bem sucedida, rica mesmo.
Alice, militante política de esquerda desde os 18 anos até hoje. Marcos, o
caçula sonhador, tocador de violão e sem trabalho fixo.
Quatro irmãos de personalidades tão distintas. Hélio teve
dois filhos. Sônia, nunca achou o amor. Marcos têm um casal, ambos cresceram
distantes do pai. Alice só tem Larissa. A ‘estranha’, calada e tímida Larissa.
Cujo pai ela nunca conheceu, preso pelo Regime Militar, assim como Alice,
Carlos entrou no DOI, mas nunca saiu. Não morreu, é ‘desaparecido’ político.
Larissa se formou jornalista, mas um dia não quis mais a
pressão da redação e começou uma segunda graduação, em história. E em suas
andanças solitárias pelo casarão, seja em meio à luz do dia ou da escuridão
total, ela reflete sobre seu futuro, sobre o pai que nunca chegou, sobre os
escravos que ali sofreram, sonharam com a liberdade, com um futuro sem
segregação.
O século XIX e XXI se envolvem de maneira inesperada, criando
duas linhas narrativas complementares. Dois tempos extremos, muitas dúvidas,
muitas paixões, muitas brigas ganhadas e muitas perdidas. As feridas do Brasil
escravocrata e do Brasil do Regime Militar são sempre expostas, estão sempre
sangrando, inquietas, buscando respostas.
A narrativa de Mírian é arrastada, como a fala do mineiro,
dando espaço aos sentimentos, as interpretações. Muitas ideias são repetidas
muitas vezes, extenuantes. Outras ficam implícitas, deixadas a cargo do leitor
descobri-las e entende-las a sua maneira.
As falas dos personagens muitas vezes lembram os diálogos do
teatro. Longos, explicativos, pomposos. Não à toa a tragédia grega Antígona, de
Sófocles, permeia a obra.
Desde o começo esse livro me pegou pelas memórias, pelos
sentimentos compartilhados. A fazenda, o mato, o café coado, o pão de queijo,
as mesas fartas. Sentia os cheiros, os gostos. Meu avô materno era mineiro e a
mineirice é patrimônio da família.
Mas meu avô também era do partido comunista nos tempos da
Ditadura. Quase foi preso, integrou movimentos de resistência. Morreu
acreditando que nosso país ainda tinha jeito.
Durante a leitura as descrições dos locais me fascinaram e me
fizeram sentir saudades. As injustiças me deixaram agoniada, com uma raiva que
só sentem os impotentes diante do que nada se pode fazer. Meu único problema
foi que ás vezes os personagens se tornavam muito repetitivos. De resto, o
livro é excelente.
Mixtape
Todo o livro é permeado por referências à músicas brasileiras, algumas antigas, outras mais novas e uma única música internacional, de Nina Simone. Como as músicas são todas muito lindas, resolvi criar um mixtape no 8tracks com todas elas para vocês :)